Fuga adiada

O plano que se esboçou meio que por acaso e em cima da hora era fugir. Me preparei de forma bem desajeitada para isso. Numa manhã de sábado, tive que acordar bem cedo pra fazer uma prova de inglês que me custaram vários dólares e o dólar nesse meu país está inflando há muito tempo. Naquela manhã ensolarada, quando carros de som começavam a sair na rua para começarem com os blocos de carnaval, eu corria para chegar a tempo à tal prova. Era uma prova de inglês que me autorizaria a fugir para um país anglófono. Fiz a prova, enviei documentos, recebi uma carta de recomendação de uma universidade bem importante e comecei, desde então, a sonhar todos os dias com a viagem. Sonhei com os amigos que faria, com os rapazes que conheceria, com as conferência de que participaria, com a casa em que moraria, com o metrô que pegaria. Sonhei todos os dias. Mas então aquela gripe estranha chegou no país. Isso quando estava comemorando a minha fuga no meio de milhares de pessoas amontoadas nas ruas, embriagada, beijando pessoas que nunca mais vi, pessoas que vi e que não pensava em beijar, dançando e cantando e comemorando e o vírus aterrizou no país. Acabou o carnaval e nunca mais pude ver as pessoas. A casa se esvaziou. Sou só eu e meus pensamentos. A fuga foi cancelada. Talvez para sempre. Leio: estão previstas 10.000 mortes para a próxima semana no país.

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